sexta-feira, junho 15, 2007

"E amando-os, amou-os até ao fim"

CITY BEACH, Austrália, quarta-feira, 13 de junho de 2007 (ZENIT.org).- Esta é uma carta enviada a Zenit por um companheiro do Pe. Ragheed Ganni, assassinado junto a três subdiáconos em Mosul, Iraque, em 2 de junho.


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"Estudei em Roma quando era seminarista da Arquidiocese de Perth, Austrália, no Colégio Pontifício Irlandês, e assisti à Universidade Pontifícia de Santo Tomás de Aquino de 1997 a 2001. Agora sou pároco da Paróquia do Espírito Santo em City Beach, Austrália Ocidental.

O Pe. Ragheed Ganni foi o primeiro seminarista que conheci no colégio, e ele teve a gentileza de mostrar-me meu quarto.

Ainda que não nos podíamos comunicar a princípio através da fala, porque eu não sabia falar aramaico e o Pe. Ragheed ainda não falava inglês, através de nossos anos no seminário chegamos a ser bons amigos.

O Pe. Ragheed tinha um caráter amigável e uma acolhida calorosa. Era de profunda oração e tinha um grande senso do sagrado, com uma profunda espiritualidade e união com Deus. Era diligente nos estudos e muito respeitado na faculdade e por seus companheiros do colégio. Estava sempre disposto a dar uma mão para quem precisava ou a dedicar tempo a estar com as pessoas para conversar amigavelmente.

Era um companheiro extremamente inteligente. Aprendeu seis idiomas e tinha previsto regressar ao Colégio Irlandês no próximo ano para começar sua tese doutoral.

Cada ano, o Pe. Ragheed dedicava o verão na Irlanda para trabalhar em Lough Derg, que é um lugar de peregrinação no norte da Irlanda, o que lhe permitia enviar dinheiro para casa para comprar os medicamentos de que precisavam. Sem aparecer, fez muito pelos iraquianos. Sempre colocava os outros em primeiro lugar.

Lembro-me de um verão em que o Pe. Ragheed ficou comigo no Seminário de St. Malcay, em Belfast. Era por volta do dia 12 de julho, que é a época das manifestações no Norte da Irlanda.

Essa noite havia distúrbios às portas do seminário e podíamos ouvir os tiros e os gritos da polícia e as sirenes das ambulâncias. Foi uma longa noite e o Pe. Ragheed me falou sobre os sofrimentos e a perseguição dos cristãos que viviam no Iraque.

Quando começou a guerra no Iraque, o Pe. Ragheed estava desolado, pois já levava sete anos longe de sua família e nesse momento toda a comunicação com sua pátria estava interrompida. Passaram meses antes que pudesse saber se sua família estava a salvo. Foi um tempo muito difícil para ele, mas em meio a tudo, encontrava consolo na oração.

O Pe. Ragheed me visitou em Perth em 2003, durante o verão; foi maravilhoso o tempo que passamos juntos na paróquia. Falamos sobre seu regresso ao Iraque e o que isso poderia significar.

O Pe. Ragheed era muito leal a seu bispo e às pessoas de sua diocese. Era consciente dos perigos que implicava voltar ao Iraque, onde os cristãos se converteram em alvo dos extremistas muçulmanos. Sabendo que arriscava sua própria vida, aceitou com muito valor o desafio de administrar os sacramentos a seu povo.

O Pe. Ragheed era como um irmão para mim, e meu coração está triste porque o mundo é um lugar mais solitário sem ele.

Recordo os dias em que passávamos o Natal no colégio, quando todos os demais estudantes voltavam para casa por motivo das férias. Tínhamos Roma para nós sozinhos, agora é toda sua.

Descansa em paz, meu amigo, porque foste um servo bom e fiel; teu martírio sobrevive e, estou certo disso, animará outros jovens a unir-se às filas de Cristo para continuar a tarefa da salvação.

Agora começa teu sacerdócio eterno, com toda a corte celestial ao teu redor.

Estou seguro de que o martírio do Pe. Ragheed e de seus companheiros produzirá muito fruto de liberdade religiosa, unidade e paz para o povo do Iraque.

Minhas orações estão com a família do Pe. Ragheed e as famílias de seus companheiros; Basman Yousef Daoud, Ghasan Bidawid e Wadid Hanna.

Oxalá que a paz chegue ao Iraque.

Pax Christi,
Padre Don Kettle"

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