domingo, junho 30, 2013

O Senhor dos Anéis: um testemunho de fé.



O Senhor dos Anéis é sem dúvida o meu livro preferido. Desde a primeira vez que o li, há 16 anos, todos os anos o volto a ler. E de cada vez descubro uma coisa nova. Um pormenor ou uma situação de que ainda não tinha dado conta.
O que me fascina em O Senhor dos Anéis é o seu profundo cristianismo. É verdade que não há nenhuma referência a Deus no livro. De facto Tolkien fez questão de suprimir qualquer menção religiosa da obra. E contudo, ainda não encontrei nenhum romance tão cristão como este.
Tolkien considerava que os mitos eram reflexos da Verdade. Eram aquilo que o homem era capaz de compreender da realidade sem a revelação. De facto, para Tolkien, a história da Revelação era um mito como os outros, com a diferença substancial de que era Verdade.
Por isso O Senhor dos Anéis é um mito. Mas um mito escrito por um cristão. Um mito escrito por homem que ia a missa diariamente, que fazia adoração ao Santíssimo diariamente, que se confessava semanalmente. Um homem para quem a sua vida, e a sua obra, eram inseparáveis da sua fé.
E por isso ler O Senhor dos Anéis é ler um livro de aventuras, mas que parte de um juízo cristão sobre a realidade. Tolkien não procura reescrever a história da Revelação, nem tão pouco fazer uma analogia como Lewis nas Crónicas de Narnia.
Tolkien quer apenas contar uma história. Mas uma história que parte da sua humanidade. Por isso nos fala da luta entre o bem e o mal. Mas não a luta entre o bem e o mal abstracto, mas a luta que se trava dentro no coração de cada homem. Por isso nos fala do pecado, mas também da misericórdia e do arrependimento. Por isso nos fala da heroicidade, mas também de como só o Desígnio daquele que é ainda mais poderoso do que Sauron pode salvar a Terra.
Nada disto é propositado (como o próprio afirma). A obra não é católica porque Tolkien a pensou de forma católica. Não é uma obra de apologia cristã. O Senhor dos Anéis é católico porque Tolkien o é. E por isso para ele é evidente a tentação, é evidente o limite do homem e é evidente que só Deus pode salvar a humanidade ferida.
E isto para ele é tão verdade na sua vida, como no mundo que ele imaginou. Por isso vale a pena ler O Senhor dos Anéis. Não procurando significados ocultos ou comparações fantasiosas. Nem Frodo nem Gandalf são Jesus e Galadriel não é Nossa Senhora. A grandeza deste livro é ser possível reconhecer nele um homem que vive a toda a sua vida, incluindo a sua escrita, diante do Mistério de Deus.

quinta-feira, junho 06, 2013

Homem e Mulher.

Ao telefone no outro dia uma amiga dizia-me que a questão da adopção e do casamento por pessoas do mesmo sexo era uma questão de direito e não de moral. Acrescentava que os homossexuais eram iguais aos heterossexuais diante da lei e que por isso era favorável ao casamento e à adopção por pessoas do mesmo sexo.
Eu, tenho que dizer, concordo com quase tudo o que ela dizia. Acho sem dúvida que estas questões são questão de direito e não de moral. Acho também que todos devemos ser iguais diante da lei. O problema é que não acho que a consequência seja estas recentes alterações às leis da família.
Comecemos pelo que me parece ser a primeira questão. A última alteração ao artigo 13º da Constituição (ninguém pode ser descriminado) introduziu no nosso ordenamento jurídico a expressão “Orientação Sexual”.
O problema é que a orientação sexual é um facto totalmente vago. Porque uma pessoa não se define pela sua sexualidade. De facto nós muitas vezes, para facilitar o debate, falamos em heterossexuais e em homossexuais. Mas estes termos são vazios. O que é um homossexual? É alguém que sente atracção por pessoas do mesmo sexo? E se for celibatário? E se uma pessoa que se sente atraída por pessoas do sexo oposto for celibatário, qual é a sua orientação sexual?
Uma pessoa não é homossexual ou heterossexual. Uma pessoa pratica actos homossexuais ou heterossexuais e tem relações homossexuais ou heterossexuais. Sentir-se atraído por A ou por B não é uma escolha, mas as praticas sexuais são.
Claro que ninguém deve ser descriminado pelo que faz com outro adulto, desde que respeite a sua liberdade. Todos os cidadãos são livres para usarem o seu corpo e o Estado deve garantir que essa liberdade é respeitada.
Isto é importante porque ajuda-nos a perceber que o que está em causa, quer no casamento entre pessoas do mesmo sexo, quer na adopção, não é uma descriminação. Um homem negro que queira casar com uma mulher branca é a mesma coisa que um homem branco que quer casar com uma mulher branca. A única diferença é a cor da pele! Um homem que quer casar com outro homem é algo de substancialmente diferente de um homem que casa com uma mulher.
Descriminação é tratar dois homens de maneira diferente por serem de cor ou religião diferente. Descriminação é tratar uma mulher de forma diferente só por ser mulher. Não é descriminação dar o mesmo tratamento a todos os homens.
Muito pelo contrário, o que é discriminatório é tratar dois homens de maneira diferente só porque um tem relações com outro homem e o outro não. Dois irmãos homens não podem ser os dois pais de uma criança, mas dois homens casados podem. Duas irmãs que vivam junta não podem apresentar uma declaração de IRS conjunta, mas duas mulheres unidas de facto podem!
Esta introdução ajuda a perceber a questão do casamento. O casamento não foi criado pelo Estado. Desde sempre que existe. O homem sempre se juntou à mulher para ter família.
O Estado, reconhecendo a utilidade social deste facto, decidiu protegê-lo e regulá-lo. Garantiu que havia uma idade mínima para o consentimento matrimonial, que os cônjuges possuíam um conjunto de direitos que não os deixava à mercê um do outro, quais os deveres que advêm do casamento.
O Estado não pode alterar a realidade. Não pode, só porque os deputados o decidem, que o casamento afinal não é a união entre pessoas de sexo oposto com o fim de constituir família, mas sim a união de duas pessoas por um contrato a que o legislador chama casamento. É o mesmo que dizer que atacar sem razão uma pessoa na rua é Legitima Defesa.
Isto não impede que duas pessoas tenham uma relação. O Estado não tem nada a ver com isso. O Estado não regula afectos. O conservador civil não pergunta a ninguém se eles se amam ou deixam de amar. O Estado só está interessado em saber se os noivos se comprometem a cumprir os deveres legais que constituem o casamento.
A lei que previa que o casamento era só entre homem e mulher não proibia ninguém de se casar. Dentro daquilo que é o casamento. Uma pessoa com tendências homossexuais sempre se pode casar, com os mesmos direitos com uma pessoa que não tenha essas tendências. Dentro daquilo que é o casamento.
Mas a questão da adopção é ainda mais grave. Porque de facto existe um direito a casar-se e a constituir família. Mas não existe nenhum direito a ser pai ou mãe. A paternidade é um facto. Um facto que gera deveres. Mesmo os direitos que se geram com a paternidade (de educar os filhos, de gerir o seu património) são direitos-deveres. São direitos que a) têm que ser exercidos; b) têm que ser exercidos tendo em vista o bem da criança.
O instituto da adopção não foi criado para satisfazer a necessidade das pessoas que querem ter filhos e não conseguem ou que querem ter ainda mais filhos dos que aqueles que já têm. As crianças não são um objecto para que os adultos tenham direito a elas. Devo confessar que sempre que oiço alguém a dizer que tem o direito de ser pais me apetece dizer que é melhor comprar um gato para lhe fazer companhia, porque claramente está a confundir uma criança com um animal de estimação.
A adopção existe para aquelas crianças que não têm família ou que por qualquer razão foram definitivamente retiradas à família. Existe para recriar aquela que deveria ser a situação natural (que é viver numa casa, com um pai e uma mãe) e que por alguma razão (morte, abandono, violência) não existe.
Ora na adopção o que conta é um superior interesse da criança, não os eventuais direitos dos adultos. Por isso aqui a questão não é de direitos, mas simplesmente de perceber o que é melhor para a criança.
Ora uma criança precisa de um pai e de uma mãe. Porque Homem e Mulher são diferentes e complementares. E perceber isto é uma coisa importante para uma criança. Mesmo nas situações em que um dos pais não está presente, a criança sabe que há alguma coisa que falta.
A adopção por pessoas do mesmo sexo não se limita a negar a criança o pai ou a mãe. Afirma que ter pai e mãe é indiferente. Que ser homem ou mulher é a mesma coisa. E isso é uma violência sobre a criança, viola a sua natureza. Porque aquilo que é próprio do seu sexo é reprimida por esta ideologia que dita uma rapaz ou uma rapariga tem que ser andróginos.
Porque o amor é importante mas não é a única coisa que uma criança precisa. Se assim não fosse não haveria qualquer problema com as crianças que crescem em instituições onde são muitíssimo amadas por quem lá trabalha. Lembro-me por exemplo da Casa do Gaiato ou das Irmãs da Caridade: dificilmente se encontrará maior amor do que aquele que é dados as crianças nessas casas.
Porém a criança precisa de uma família, de pai e de mãe. Ou pelo menos de saber que há pai e que há mãe. Permitir a adopção por pessoas do mesmo sexo é impor por decreto uma igualdade que a natureza nega.
O casamento entre homem e mulher, a família com pai e mãe não são uma questão moral ou religiosa. São realidades naturais que o Estado reconhece e tem o dever de proteger. Defender que dois homens se podem casar ou que duas mulheres podem ser ambas mãe lembra-me sempre uma cena da Vida de Brian onde um grupo de rebeldes judeus culpa os Romanos pelo facto dos homens não poderem ser mães.