quinta-feira, setembro 27, 2012

A Igreja contra a Ciência?

Está hoje enraizado na nossa mentalidade a ideia de que a Igreja Católica foi e é um obstáculo à ciência. Claro que nunca se apresentam factos concretos que sustentem esta afirmação. O caso Galileu é sempre dado como exemplo da perseguição da Igreja aos cientistas. Ora, este caso não é tão amplamente usado por ser o mais emblemático, mas por ser o único. Se bem que hoje em dia também já há quem fale de Giordano Bruno, mas pouco. Quanto mais não seja porque Galileu era um verdadeiro cientista e Bruno um bruxo alquimista que o revisionismo anti-clerical gosta de transformar em cientista.
A verdade é que o cristianismo não foi adversário da ciência mas sim condição essencial para a revolução científica. Antes de mais, e esta evidência não precisa de grande raciocínio, porque a Igreja patrocinou monetariamente até ao século XVIII (depois deixou de ter dinheiro para isso) a investigação cientifica. A verdade é que a Igreja deu mais dinheiro para o desenvolvimento da ciência do que qualquer outra instituição e provavelmente mais do que todas as outras instituições juntas.
Mas a questão não se limita a dinheiro. A Revolução Cientifica acontece na Europa na transição da Idade Média para a Idade Moderna. A Europa do séc. XV estava longe de ser a sociedade mais rica ou desenvolvida que o mundo conhecera até então. A China nessa altura já levava alguns milhares de anos como estado unido e centralizado. O Egipto tinha inventado a geometria, construído as pirâmides e criado a maior biblioteca do mundo. A Grécia antiga tinha sido culturalmente mais desenvolvida. Os persas, os fenícios, os cartagineses tinham tido impérios bastante mais ricos. Roma tinha desenvolvido uma civilização tecnologicamente mais desenvolvida.
Contudo, foi na Europa fragmentada, pouco desenvolvida e relativamente pobre (comparado com a Ásia ou os antigos impérios) que a ciência nasceu como ramo da sabedoria autónomo.
O ponto de partida de toda a ciência é o facto de que toda a realidade está feita de modo a ser compreendida pelo homem. A razão pela qual a ciência avança é a certeza dos cientistas de que os factos naturais podem ser compreendidos. Mas esta certeza é um acto de fé. Não existe nenhuma evidência de que a realidade poder ser explicada, a não ser o facto de até agora ter sido sempre.
Este acto de fé nasce do cristianismo. Nas sociedades pagãs os factos naturais são atribuídos ao despotismo divino. Daí haver adivinhos, augures, gurus, xamãs, etc. O cristianismo, por outro lado, afirma que Deus é criador do universo, mas também que Deus se submete à razão. Por isso a criação é razoável e as suas leis podem ser conhecidas.
É esta certeza que permitiu a homens como Copérnico, Kepler, Galileu, Newton, entre outros, criar a ciência moderna.
O cristianismo não é travão da ciência, mas sim o motor de arranque da mesma. Sem a Igreja provavelmente continuaríamos a atribuir os trovões à vontade de Zeus e as boas colheitas a Ísis.

quarta-feira, setembro 19, 2012

Mário Soares e a Democracia.

 


Hoje o Dr. Mário Soares disse finalmente o que todos os media queriam que alguém dissesse: que o Presidente devia demitir o governo e convidar à formação de um governo de salvação nacional. Ontem os jornalistas já tinham tentado estender esta armadilha a António José Seguro que teve a inteligência (ou a decência) de não cair na esparrela.
A sugestão do pai do Partido Socialista é o culminar desta campanha sobre a falta de legitimidade do governo para se manter em funções depois das manifestações de sábado. Segundo vários senadores da política nacional a contestação popular ao governo era sinal de que o governo devia cair.
Eu não penso que o governo deva simplesmente ignorar a rua, contudo uma democracia parlamentar não se baseia em manifestações e opiniões de pessoas que se acham donas do povo. Mário Soares, Arménio Carlos, João Proença, Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã , Vasco Lourenço não foram mandatos por ninguém para interpretar a vontade popular.
A legitimidade do governo advém do voto popular, que deu ao actual governo uma maioria de 132 deputados (em 230) fruto dos 50,35% de votos que recebeu nas últimas eleições. O Dr. Soares pode não gostar do resultado das eleições, mas em democracia não governa quem tem maior tempo de antena ou reúne mais povo na rua, mas quem ganha as eleições.
A maioria clara de que o governo dispõe na Assembleia da República não é um cheque em branco para fazer o que quiser. Quase metade do país votou nos outros partidos que estão representados no Parlamento. Contudo, depois do debate cabe decidir a quem foi eleito para governar.
Nomear um governo de salvação nacional um ano e três meses depois das eleições legislativas é uma ofensa à democracia. É declarar que a vontade popular (a legítima, expressa pelo voto nas urnas) deve ceder perante a sapiência de alguns iluminados.
O Dr. Mário Soares não deveria esquecer que depois do 25 de Abril a “rua” pertencia aos comunistas e à extrema-esquerda. O MFA condicionou todo o processo democrático com o “povo”. Contudo, foi Mário Soares e não Cunhal que foi primeiro-ministro do I Governo Consitucional. Porquê? Porque o PS teve 46,4% dos votos e o PC 12% nas eleições de 75. Assim é a democracia: em 1976 governou Mário Soares sem a rua mas com a legitimidade do voto, assim governa Pedro Passos Coelho em 2012.

domingo, setembro 16, 2012

António José Égalité!

 
 


Conta-nos a história que Luís Filipe II de Orleães, primo de Luís XVI, foi um dos principais financiadores dos movimentos que deram origem à revolução francesa. A família real acusava-o de ter inspirado (e patrocinado) a tomada da Bastilha. Aparentemente o seu grande objectivo era pôr-se à frente do movimento de contestação popular ao governo do Rei seu primo e fazer-se coroar monarca constitucional de França.

Contudo a excitação revolucionária rapidamente o ultrapassou. Em 1792, com a proclamação da I Republica, abdicou do seu nome de família e passou a ser o Citoyen Égalité. Conseguiu ainda ser eleito para a Convenção Nacional como vigésimo e último deputado por Paris. Da sua actividade parlamentar nada há para realçar a não ser ter votado favoravelmente a morte do seu primo e Rei, Luís XVI.

Durante o terror de Rosbepierre foi preso, julgado e guilhotinado. Nem o facto de ter financiado os movimentos revolucionários, nem o ter lutado contra o seu próprio povo no norte de França para impor a revolução, nem o ter votado a morte do Rei lhe serviu para livrar das garras do “povo” que tanto defendera.

Lembrei-me desta pequena história depois desta semana onde tantas e tantas personalidades incitaram o povo a revoltar-se contra as medidas de austeridade do governo. Apelos esses que culminaram nas manifestações de ontem.

Se António José Seguro, Mário Soares, Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã, entre outros, não conhecem a história e o destino do Citoyen Égalité alguém lhes devia contar. É que ainda há poucos dias um dos blogues responsável pela manifestação de ontem em Lisboa se congratulava pelo facto de todos os deputados (esquerda incluída) e membros do governo da Grécia não puderem sair do parlamento sem serem atacados pelo “povo”.

quarta-feira, setembro 12, 2012

"Estaline - Na Corte do Czar Vermelho", Simon Sebag Montefiore

 
Acabei à pouco tempo de ler o livro “Estaline – A Corte doCzar Vermelho” (Aletheia, 666 pgs., 26,25€) de Simon Sebag Montefiore. O autor, um inglês de origem judia, é professor de história na Universidade de Cambridge e especialista na história da Rússia.
O livro narra a vida de Estaline, da sua família e dos seus amigos mais chegados após a sua chegada ao poder. Não se trata de um retrato intimista ou psicológico de Estaline, cheio de revelações bombásticas. O autor limita-se a narrar a vida social e familiar do ditador soviético tendo como pano de fundo os dramáticos acontecimentos do consulado do homem que governou a Rússia durante 30 anos.
O ponto de partida do autor é simples. Hoje em dia existe a tentação de atirar toda a culpa das monstruosidades dos crimes dos regimes totalitários para cima de um monstro, de um louco, de um psicopata.
Em vez do retrato de um ser desumano, Montefiore apresenta-nos o retrato de um homem normal. Um homem com família e amigos. Um homem que gostava de festejar os anos beber e comer com os que lhe eram mais próximos. Um homem que se comovia com a música. Um homem com sentido de humor e capaz de se comover com pequenas recordações (por exemplo, perdoou um homem que tinha o mesmo nome do padre que o ensinou a ler).
Para além disso, demonstra também que Estaline não era um monstro a actuar sozinho. Todos aqueles que o rodeavam eram apoiantes claros das suas políticas. Na obra o autor demonstra que nas purgas de 1937 todos os governantes das províncias pediram para aumentar a quota de dissidentes a prender ou matar ditadas pelo Politburo.
Esta biografia não desculpabiliza em nenhum momento as atrocidades de Estaline. Muito pelo contrário, torna-as ainda mais monstruosas. Porque demonstra que não foram fruto de um louco, mas de um homem normal que acreditava que a sua ideologia valia mais do que a vida.
Em última instância este é o facto mais assustador deste livro: é que todos nós podemos ser como Estaline. Todos nós podemos preferir a ideologia à verdade. Todos nós podemos preferir o mal ao bem. A diferença, em última instância, é de escala.

O anúncio de Passos Coelho, a austeridade e o Papa.

 
 
Desde que Pedro Passos Coelho anunciou as últimas medidas de austeridade temos sido inundados por um coro de críticas. Umas mais justas que outras, umas mais demagógicas outras mais sérias. Até simples desabafos foram transformados em notícia.
 
Não sei dizer se as medidas que o governo tomou são ou não as mais correctas. E acho justo que aqueles que percebem do assunto dêem a sua opinião. É claro que o caminho para sair da crise não é simples e mesmo pessoas bem-intencionadas, trabalhadoras e sérias podem errar. Por isso é natural que as opiniões sobre a eficácia destas medidas sejam divergentes.
 
Contudo não me deixa de espantar o facto que ninguém parece apresentar uma alternativa. É evidente que todos estão contra a austeridade, penso que até o governo está. Mas a verdade é que gastámos o que não tínhamos e agora temos que o pagar.
 
Seja com mais receita, seja com menos despesa, com mais trabalho a solução para esta crise nunca poderá ser fácil. Por isso gritar “basta de austeridade” sem apresentar uma solução não me parece que seja de ajuda.
 
Penso que neste momento precisamos de líderes que não finjam que a situação não é dramática. É preciso quem diga: amigos temos uma dívida grande, não temos maneira fácil de a pagar por isso é hora de arregaçar as mangas e lançarmo-nos ao trabalho.
 
A crise não foi provocado por este governo, nem sequer é culpa exclusiva do anterior. Nem sequer dos bancos ou das “grandes” empresas. Todos nós, eu incluído, contribuímos para ela: gastando mais do que tínhamos, trabalhando menos do que devíamos, votando em políticos que prometiam dar o que não tínhamos.
 
Preferíamos não viver nestes tempos, mas como diria Gandalf, não nos é dado escolher viver o tempo em que vivemos, só o que fazemos com o tempo que nos é dado.
 
A hora é dura e as perspectivas dramáticas: mas este é o tempo que nos é dado viver. O que podemos fazer? Ouvir a resposta do Papa Bento XVI no Encontro Mundial das Famílias a esta pergunta: Queridos amigos, obrigado por este testemunho que tocou o meu coração e o coração de todos nós. Que podemos responder? Não bastam as palavras; temos de fazer algo de concreto e todos nós sofremos pelo facto de sermos incapazes de fazer algo de concreto. Comecemos pela política: parece-me que deveria crescer o sentido da responsabilidade em todos os partidos. Não prometam coisas que não podem realizar; não se limitem a procurar votos para si, mas sintam-se responsáveis pelo bem de todos. Que se perceba que política é sempre também responsabilidade humana, moral diante de Deus e dos homens. Depois, naturalmente, temos os indivíduos que sofrem e – muitas vezes sem possibilidade de se defenderem – vêem-se obrigados a aceitar a situação como ela é. Mas aqui podemos também dizer: cada um procure fazer tudo o que lhe é possível, pense em si, na família, nos outros, com um grande sentido de responsabilidade, sabendo que os sacrifícios são necessários para avançar. Terceiro ponto: Que podemos fazer nós? Esta é a minha questão, neste momento. Creio que talvez pudessem ajudar as geminações entre cidades, entre famílias, entre paróquias… Agora, na Europa, temos uma rede de geminações, mas trata-se de intercâmbios culturais – sem dúvida, muito bons e muito úteis –, quando talvez haja necessidade de geminações noutro sentido: que realmente uma família do Ocidente, da Itália, da Alemanha, da França... assuma a responsabilidade de ajudar outra família. E o mesmo se diga das paróquias, das cidades: que assumam responsabilidades reais, ajudem concretamente. E podeis estar certos! Eu e muitos outros rezamos por vós, e esta oração não é só dizer palavras, mas abre o coração a Deus e assim gera também criatividade na busca de soluções. Esperamos que o Senhor vos ajude, que o Senhor vos ajude sempre! Obrigado!