quarta-feira, outubro 23, 2013

Cristãos mortos no Egipto... e na Nigéria, e no Paquistão e um pouco por todo o mundo!

No passado fim-de-semana quatro cristão coptas egípcios foram mortos à saída de um casamento. Aparentemente este acontecimento não foi suficientemente importante para que a nossa imprensa desse por isso.
Mas devo dizer que acho este lapso compreensível. De facto o que são quatro mortos diante das dezenas de cristãos mortos no mês passado na Nigéria? E quem fala da Nigéria podia falar do Quénia ou do Paquistão. Ou dos cristãos condenado a prisão perpétua na Índia por um crime reivindicado por maoistas e que custou a vida a centenas de católicos em Orissa.
E não foi apenas no mês passado, a situação tem anos. Por exemplo, o que são quatro mortos diante dos 2.000 cristãos presos na Eritreia, muitos dos quais submetidos a tortura? Ou dos 200 mil cristãos que se viram forçados a fugir do Egipto desde a queda de Mubarak?  Ou dos 5.000 cristãos vitimas de perseguição na China em 2012? Ou os 791 cristãos mortos na Nigéria nesse ano?
De facto, quatro mortos são coisa pouca diante das perseguições a que os cristãos hoje estão sujeitos pelo mundo fora. Percebemos que os media não falem destes quatro morto, uma vez que há outras centenas de mártires para falar.
O problema é que não falam destes quatro e também não falam dos outros. O problema é que a imprensa continua a ignorar as centenas de mortos, os milhares de prisões e os milhões de refugiados cristãos.
A decisão do parlamento Russo de proibir manifestações de apoio aos movimentos gay dominou durante dias os nossos jornais. A perseguição sistemática a que os cristãos são sujeitos no Egipto, na Nigéria, no Paquistão, na Coreia do Norte, na China, na Eritreia, no Mali, no Sudão, no Vietname, na Bielorrússia, no Laos, no Sri Lanka, na Birmânia, no Irão, no Turquemenistão, no Iémen, no Iraque, na Síria, no Uzbequistão, na Índia e na Indonésia não consegue passar dos pés de página dos jornais quando lá chega.
Mas a não vale a pena fingir que a indiferença é apenas dos jornais porque também é nossa. É de todos nós, cristãos criados em países democráticos e que vivemos como se a nossa fé não tivesse nada que ver com a vida pública. Nossa que vivemos a nossa fé quase em segredo, como se tivéssemos medo de criar ondas ou de incomodar alguém.
Se nós não comovemos e não nos movemos por esta multidão de mártires como podemos ficar chocados pelos media não lhes ligar? Se diante da morte dos nossos irmãos a única coisa que sabemos dizer é “os jornais são indecentes porque não falam disto” ou “alguém devia fazer alguma coisa sobre isto, onde é que anda a ONU e a União Europeia?” então não vale a pena exigir que os outros façam alguma coisa.
Aos cristãos perseguidos pelo mundo fora, ignorados pelo poder do mundo, silenciados pela imprensa e esquecidos por nós resta-lhes contudo o mais importante: a certeza que o Senhor não esquece e que o seu nome está inscrito para sempre no Livro da Vida.

quinta-feira, outubro 17, 2013

Sobre a Inquisição em Portugal.


A Inquisição é provavelmente dos assuntos mais comentados e menos conhecidos em Portugal. Todas as pessoas tem opiniões sobre o assunto, baseadas nessa grande fonte de conhecimento que é o “toda a gentes sabe que... a Inquisição mandou o Galileu para a fogueira/ a Inquisição perseguiu todos os cientistas/ a Inquisição matou milhares de pessoas em Portugal/ durante a Idade Média a Inquisição/ etc...”.

Ao mesmo tempo, sempre que aparece alguém a proporcionar uma pequena informação histórica sobre o Santo Oficio levanta-se logo um coro de acusadores, que explica que estamos a defender a Inquisição e que no fundo, no fundo, somo anti-semitas e contra a ciência.

Ora, uma pessoa explicar que a Inquisição não foi como a cultura popular a pinta não o torna um defensor da mesma. Torna-o simplesmente numa pessoa intelectualmente honesta. Por exemplo, dizer que a Inquisição não matou Galileu, não quer dizer que eu ache que o Galileu foi bem castigado, quer dizer apenas que eu sei o suficiente de história para saber que ele foi condenado a prisão domiciliária até ao fim da vida.

Antes de mais é preciso perceber que quando se fala da Inquisição se fala em 3 tribunais diferentes: o Romano, o Espanhol e o Português. Todos eles tinham grandes diferenças entre si. Neste artigo vamos só falar da Inquisição portuguesa.

A Inquisição em Portugal nasce nos anos trinta do século XVI (já em pleno Renascimento) no reinado de Dom João III. Nasce num tempo complicado na Europa. Por um lado temos a divisão religiosa que apareceu com a Reforma e que acabou com a Republica Cristã.

Por outro nasce também no tempo em que a Europa está sobre forte ameaça do Islão. Os turcos, senhores do que sobrava do império bizantino, ameaçavam a Europa de Leste e começavam a dominar o Mediterrâneo.

Por fim, é também um tempo de grandes convulsões políticas. Um pouco por toda a Europa central e do sul os Habsburgo e os Valois travavam uma guerra sem quartel pelo domínio político.

Nestas lutas o reino de Portugal sempre teve uma posição clara: fidelidade à Igreja, guerra aos infiéis, neutralidade nas guerras entre cristãos. Contudo esta neutralidade não era fácil, dada a situação geográfica do país. Aparentemente só uma politica de empréstimos a Espanha, juntamente com muitos casamentos entre ambas as casas reais assegurava a nossa independência.

A Inquisição nasce por isso, não apenas por um desejo do rei de Portugal de pureza religiosa, mas também como instrumento de unidade política. Disso é prova a relutância com que a Santa Sé permitiu a criação de um tribunal português do Santo Ofício, pedido esse que já tinha sido formulado por Dom Manuel I e negado.

De facto, a Santa Sé tinha medo que o tribunal português seguisse o caminho do espanhol e se tornasse demasiado independente (como se veio a verificar pelas constantes relações conflituosas entre o papado e a Inquisição portuguesa).

Por isso a Inquisição no nosso país sempre teve esta composição mista, de um tribunal que dependia tanto do Papa como do Rei e que muitas vezes entrava em conflito com um dos dois (regra geral nunca com os dois ao mesmo tempo, porque quando estava em conflito com o rei recorria ao Papa e vice-versa).

Dito isto, o que era concretamente a Inquisição? Era um órgão judiciário responsável por combater as heresias. Claro que a noção de heresia era bastante vasta. Por exemplo a bigamia era do foro da Inquisição porque o acusado descria do sacramento do matrimónio.

O Tribunal do Santo Oficio não era contudo um tribunal igual aos outros tribunais do reino. Não o era porque não dependia totalmente do poder real. Por outro lado, também não dependia da hierarquia da Igreja portuguesa, mas sim directamente de Roma. Isto permitiu à Inquisição alcançar um grande poder e autonomia, que só seria diminuído no consulado do Marquês de Pombal.

A Inquisição, dentro da sua missão de combate à heresia, tinha duas grandes áreas de acção. Por um lado tentava corrigir os hereges. E aqui podemos ver uma grande diferença entre a Inquisição e os outros tribunais. Nos tribunais o normal é procurar saber se há ou não culpa do acusado para depois lhe aplicar a pena devida. A Inquisição procurava sobretudo o arrependimento dos acusados. Por isso para este tribunal a morte de um dos acusados era uma derrota. O que Inquisição procurava era o seu arrependimento público.

Para se ser considerado herege era preciso ser-se católico, ou seja baptizado. O tribunal só tinha jurisdição para julgar os baptizados. Para além destes só podia julgar não católicos que impedissem o trabalho do Santo Oficio.

O grande problema foi que, no tempo do Dom Manuel, os judeus que não tinham sido expulsos foram baptizados à força. A justificação para este acto é que os judeus não tinham suficiente discernimento e que por isso o rei teria legitimidade para forçar a sua conversão.

Este acto deu origem a milhares de cristãos-novos. Regra geral judeus que só formalmente eram católicos e que, embora cumprissem exteriormente as obrigações de um católico (para não serem julgado hereges), em segredo continuavam as suas práticas judaicas.

Por diversas vezes Roma condenou o baptismo forçado dos judeus, sendo que muitos dos que foram julgado pela Inquisição portuguesas apelaram para Roma e viram os seus baptismos declarados inválidos.

A outra área de acção da Inquisição era a censura sobre as ideias herética. Havia o Índex, com livros proibidos. Era necessária autorização do Santo Oficio para a impressão de livros novos. Os livros proibidos (e aqui não se tratava só de livros religiosos, mas também de livros que faziam mal ao espírito, tal como os livros eróticos) eram confiscados. Alguém que fosse discutir a sua tese na Universidade tinha que submete-la primeiro ao Santo Oficio.

Em Portugal a Inquisição tinha três mesas: Lisboa, Évora e Coimbra. Em todas elas havia Inquisidores e promotores (para além de outros funcionários menores, como meirinhos e guardas). Havia um Conselho Geral, que tinha poderes de supervisão sobre as três mesas do reino. À cabeça do tribunal estava o Inquisidor Geral.

Na Inquisição em Portugal tiveram papel importantíssimo os familiares do Santo Oficio. Pessoas que pertenciam a este tribunal, mas que não era funcionários, que tinham poderes para denunciar, revistar e até mandar prender suspeitos de heresia. Embora não fossem assalariados o estatuto de familiar do Santo Oficio dava direito a vários privilégios para além de ser uma honra social.

Do ponto de vista processual havia três grandes diferenças entre este tribunal e os outros. A primeira era de que bastava um testemunho para fazer prova. A segunda era de o processo era secreto, não tendo sequer o acusado direito a informação sobre ele. O último era de que bastava a acusação para o confisco dos bens. Estes três pontos sempre foram muito contestados, inclusivamente pela Santa Sé.

Ainda na questão dos procedimentos havia outras diferenças entre o Santo Oficio e os restantes tribunais. Só se podia aplicar a tortura a quem fosse declarado fisicamente apto para tal pelos médicos. A tortura não podia deixar sequelas físicas permanentes. Durante a tortura havia sempre um médico presente que podia mandar interromper a tortura. Os presos pobres eram alimentados e mantidos a expensas do tribunal, ao contrário do que acontecia nos outros tribunais onde dependiam da Misericórdia.

Por fim alguns dados: a Inquisição portuguesa condenou a morte cerca de 1.000 pessos nos seus 285 anos de existência. Só em 11% dos casos foi utilizada a tortura. Os processos da Inquisição demoravam em média um ano. O último condenado à morte pela Inquisição em Portugal foi o padre Gabriel Malagrida, cuja principal razão para a condenação foi a sua oposição ao Marquês de Pombal. A Inquisição em Portugal foi extinta em 1821, por decisão das Cortes.

A Inquisição cometeu muitos erros e muitos abusos. Mas é uma instituição filha do seu tempo. Nasce e vive num tempo onde a tortura era um meio de obtenção de prova considerado normal e onde os crimes que tinham pena de morte eram muitos. Falamos também de um tempo onde os delitos de opinião eram muitas vezes crime.

A Inquisição é por isso fruto da sua época. Do centralismo do poder régio, da divisão religiosa, de uma maneira de olhar e praticar a justiça que hoje nos é estranha. Podemos sempre questionarmo-nos se a Igreja não devia fazer melhor que os outros. Não podemos é continuar a fingir que este tribunal foi um objecto estranho caído do céu.

 

BIBLIOGRAFIA

História de Portugal; Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa, Nuno Gonçalves Monteiro; Esfera dos Livros, 2010.

História de Portugal Vol. - I; Fortunato de Almeida; Bertrand 2003.

História da Inquisição Portuguesa; Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva; Esfera dos Livros, 2013.

Dom João III; Ana Isabel Buesco; Círculo de Leitores 2005.

quinta-feira, outubro 10, 2013

Portugal, o Eterno Adolescente.


Em Portugal o poder político em geral, e a esquerda em particular, desconfiam imensamente das pessoas. Para a maior parte dos nossos governantes em caso dúvida o Estado governa melhor a vida de cada cidadão do que eles próprios.
1. Caso exemplar disso é a reacção ao anúncio do Ministro da Educação de que o ministério passaria a apoiar directamente os alunos (mesmo que os seus pais escolhessem coloca-los no ensino particular) em vez de apoiar as escolas. Parece-me evidente que esta medida é totalmente razoável. O Estado apoia os pais na sua tarefa de educar os filhos, mas dá-lhes a liberdade de escolher.
Mas logo se ouviram um coro de objecções: o fim da escola pública; os privados não são melhores que o público; isto vai favorecer os mais ricos.
Todas estas objecções têm algum fundo de verdade, mas passam ao lado do ponto principal da questão: que não cabe ao Estado educar as crianças, mas aos pais. Os pais não são irresponsáveis, vão tentar que os filhos tenham a melhor escola possível. Logo uma medida que lhe dá mais opções é uma boa medida.
Mas no campo da educação esta questão é apenas a ponta do iceberg do estatismo português. Basta pensar por exemplo que é o ministério que contrata as empresas de catering de todas as escolas. Ainda este Verão ouvi a história de uma escola no Alto Alentejo onde a empresa que fornecia comida servia arroz trinca às crianças e a direcção não podia fazer nada a não ser esperar pela decisão do ministério.
Outro exemplo é a eleição da direcção das escolas onde os pais tem muito pouco a dizer. Ou a absurda colocação de professores por concurso nacional.
Toda a educação das nossas crianças é decidida entre a 5 de Outubro e a 24 de Julho e os pais não são tidos nem achados nesta conversa.
2. Mas a desconfiança do poder em relação às pessoas não se limita à educação. Todo o nosso sistema político está montado na base de que não se pode confiar nas decisões do povo. A começar pela Constituição que consagra os círculos plurinominais e o método de Hondt. Assim garante que as pessoas só podem eleger para o Parlamento quem os partidos decidirem.
Outro exemplo claríssimo é a Lei da Limitação dos Mandatos, que tanta polémica tem levantado. Como é possível que em democracia se restrinja os direitos políticos de um cidadão pelos simples facto de já ter exercido um cargo? Para isso serve o voto, não a lei.
E esta desconfiança não é só nestas coisas grandes e importantes, mas chega aos pormenores mais absurdos. Veja-se por exemplo a obrigação de um adulto usar cinto de segurança. O único afectado pelo não uso do cinto é o próprio. Porque razão tem o Estado que decidir se eu prefiro viajar de maneira mais ou menos segura?
                3. Mesmo passado quase quarenta anos de democracia ainda não conseguimos ultrapassar a mentalidade que os dezasseis anos de Iª República (que considerava o povo demasiado inculto para decidir) e quarenta e oito anos de Estado Novo (que achava o povo demasiado inocente para enfrentar os perigos do mundo moderno) inculcaram na mentalidade portuguesa.
Vivemos reféns deste complexo de que Estado (essa entidade abstracta) é um pai que vela por nós. E pelos visto preferimos continuar a viver esta adolescência tardia. Sem deveres, sem responsabilidade, mas também sem direito a decidirmos da nossa vida.