Agora que assentou a poeira à volta do referendo é possível ver com clareza: foi uma enorme derrota para a Igreja. É algo exagerado identificar o "não" com a Igreja católica, mas não muito. Ela foi a única grande entidade que se empenhou a fundo na luta desse lado e perdeu largamente.
Pode falar-se na parcialidade da imprensa e no poder do Governo, na manipulação da pergunta e nos enganos dos opositores, na subida dos votos do "não" e na elevação do debate. Pode dizer-se que foi uma derrota galharda e honrosa, mas indiscutivelmente uma enorme derrota da Igreja, da sua moral, cultura e forma de ver o mundo.
A Igreja está habituada a perder. Aliás a vitória de há oito anos é que foi uma extraordinária excepção numa longa sequência de importantes baixas. São tantas as derrotas históricas que surpreende até como a Igreja consegue sobreviver e manter tanta influência. Mas não é apenas desse modo que a derrota é normal. Trata-se de um elemento básico e inato. O cristianismo é a religião da cruz e dos mártires. O seu Deus foi flagelado, coroado de espinhos, pendurado num madeiro até morrer. A fé cristã é o reino dos pobres e dos humildes.
No dia do referendo em todas as missas do mundo foi lido: "Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. Bem- -aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. (...) Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas" (Lc 6, 21-26). Os cristãos não vivem da derrota. Mas também não vivem para a vitória. Vivem da ressurreição, que só acontece depois da morte. Três dias depois.
O pior é que, quando a Igreja perde, quase ninguém ganha. A Igreja está preparada para perder, mas Portugal perde mais quando ela perde. Muitos dos que votaram "sim" no referendo viverão o suficiente para virem a lamentar a sua escolha. Quando os números do aborto dispararem, quando se sofrerem as consequências psicológicas, familiares, médicas, sociológicas, económicas do aborto livre, nessa altura perceberão a futilidade dos argumentos que os convenceram no dia 11. O facilitismo e superficialidade com que pretenderam "arrumar a questão" virá a cair sobre os próprios. Certamente haverá menos crianças abandonadas, menos deficientes, menos criminosos. Só mais cadáveres pequeninos.
O aborto a pedido e pago pelo Sistema Nacional de Saúde assolará sobretudo as classes mais pobres, onde a tentação será mais forte. Paradoxalmente, como noutros países, isso minará a base eleitoral dos partidos de Esquerda. Haverá menos crianças a correr nos bairros de lata; menos crianças a correr nos infantários. Haverá menos crianças em todo o lado. Haverá menos portugueses. O que aumentará é o número de gravidezes indesejadas. Iremos ver bem quão elástico é o conceito de "indesejado".
Outra característica das derrotas da Igreja é que depois ela continua sempre a lutar. Estas previsões catastróficas são ainda evitáveis. Certos da ressurreição e com os olhos fixos no Céu, os cristãos esperam contra toda a esperança. É só por isso que "sangue de mártires é semente de cristãos". Qualquer que seja a idade dos mártires.
Assim, a luta pela vida continuará, hoje como ontem. Se os defensores do aborto persistiram após 1998, ninguém negará agora o mesmo direito ao outro lado. A luta continuará até na frente jurídica. O embuste da pergunta e da campanha fez com que a única coisa realmente referendada fosse a despenalização. Alguns acham-se com legitimidade para aprovar uma lei de banalização do aborto, mas isso é claramente lateral ao referendo. Há ainda muitas instâncias capazes de defender o princípio constitucional de que "a vida humana é inviolável" (art. 24.º n.º 1).
Se essas leis vierem a passar, o drama do aborto cairá sobre o sector de saúde, acrescentando mais problemas aos que já tem. A luta pela vida passará então pelo apoio à dignidade ética da função médica.
Sobretudo a vida só se defende na vida. Na vida concreta de cada mãe abandonada, de cada criança indesejada. As dezenas de instituições específicas e os milhões de cristãos anónimos continuarão a trabalhar. Mesmo derrotada, a Igreja mostra sempre o caminho para a verdade e a vida.
Pode falar-se na parcialidade da imprensa e no poder do Governo, na manipulação da pergunta e nos enganos dos opositores, na subida dos votos do "não" e na elevação do debate. Pode dizer-se que foi uma derrota galharda e honrosa, mas indiscutivelmente uma enorme derrota da Igreja, da sua moral, cultura e forma de ver o mundo.
A Igreja está habituada a perder. Aliás a vitória de há oito anos é que foi uma extraordinária excepção numa longa sequência de importantes baixas. São tantas as derrotas históricas que surpreende até como a Igreja consegue sobreviver e manter tanta influência. Mas não é apenas desse modo que a derrota é normal. Trata-se de um elemento básico e inato. O cristianismo é a religião da cruz e dos mártires. O seu Deus foi flagelado, coroado de espinhos, pendurado num madeiro até morrer. A fé cristã é o reino dos pobres e dos humildes.
No dia do referendo em todas as missas do mundo foi lido: "Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. Bem- -aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. (...) Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas" (Lc 6, 21-26). Os cristãos não vivem da derrota. Mas também não vivem para a vitória. Vivem da ressurreição, que só acontece depois da morte. Três dias depois.
O pior é que, quando a Igreja perde, quase ninguém ganha. A Igreja está preparada para perder, mas Portugal perde mais quando ela perde. Muitos dos que votaram "sim" no referendo viverão o suficiente para virem a lamentar a sua escolha. Quando os números do aborto dispararem, quando se sofrerem as consequências psicológicas, familiares, médicas, sociológicas, económicas do aborto livre, nessa altura perceberão a futilidade dos argumentos que os convenceram no dia 11. O facilitismo e superficialidade com que pretenderam "arrumar a questão" virá a cair sobre os próprios. Certamente haverá menos crianças abandonadas, menos deficientes, menos criminosos. Só mais cadáveres pequeninos.
O aborto a pedido e pago pelo Sistema Nacional de Saúde assolará sobretudo as classes mais pobres, onde a tentação será mais forte. Paradoxalmente, como noutros países, isso minará a base eleitoral dos partidos de Esquerda. Haverá menos crianças a correr nos bairros de lata; menos crianças a correr nos infantários. Haverá menos crianças em todo o lado. Haverá menos portugueses. O que aumentará é o número de gravidezes indesejadas. Iremos ver bem quão elástico é o conceito de "indesejado".
Outra característica das derrotas da Igreja é que depois ela continua sempre a lutar. Estas previsões catastróficas são ainda evitáveis. Certos da ressurreição e com os olhos fixos no Céu, os cristãos esperam contra toda a esperança. É só por isso que "sangue de mártires é semente de cristãos". Qualquer que seja a idade dos mártires.
Assim, a luta pela vida continuará, hoje como ontem. Se os defensores do aborto persistiram após 1998, ninguém negará agora o mesmo direito ao outro lado. A luta continuará até na frente jurídica. O embuste da pergunta e da campanha fez com que a única coisa realmente referendada fosse a despenalização. Alguns acham-se com legitimidade para aprovar uma lei de banalização do aborto, mas isso é claramente lateral ao referendo. Há ainda muitas instâncias capazes de defender o princípio constitucional de que "a vida humana é inviolável" (art. 24.º n.º 1).
Se essas leis vierem a passar, o drama do aborto cairá sobre o sector de saúde, acrescentando mais problemas aos que já tem. A luta pela vida passará então pelo apoio à dignidade ética da função médica.
Sobretudo a vida só se defende na vida. Na vida concreta de cada mãe abandonada, de cada criança indesejada. As dezenas de instituições específicas e os milhões de cristãos anónimos continuarão a trabalhar. Mesmo derrotada, a Igreja mostra sempre o caminho para a verdade e a vida.
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