quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Bento XVI - As mulheres na História da Igreja.

Queridos irmãos e irmãs:

Chegamos hoje ao final de nosso percurso entre as testemunhas do cristianismo nascente, mencionados nos escritos do Novo Testamento. E aproveitamos a última etapa deste primeiro percurso para centralizar nossa atenção nas muitas figuras femininas que desempenharam um efetivo e precioso papel na difusão do Evangelho.

Seu testemunho não pode ser esquecido, segundo o que o próprio Jesus disse sobre a mulher que lhe ungiu a cabeça pouco antes da Paixão: «Eu vos asseguro: onde quer que se proclame esta Boa Nova no mundo inteiro, se falará também do que esta fez para memória sua» (Mateus 26, 13; Marcos 14, 9). O Senhor quer que estes testemunhos do Evangelho, estas figuras que deram sua contribuição para que crescera a fé n’Ele, sejam conhecidas e sua memória permaneça viva na Igreja.

Historicamente podemos distinguir o papel das mulheres no cristianismo primitivo, durante a vida terrena de Jesus e durante as vicissitudes da primeira geração cristã. Certamente, como sabemos, Jesus escolheu entre seus discípulos doze homens como pais do novo Israel, «para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar» (Marcos 3, 14-15). Este facto é evidente, mas, além dos doze, colunas da Igreja, pais do novo Povo de Deus, foram também escolhidas muitas mulheres no número dos discípulos.

Só posso mencionar brevemente aquelas que se encontraram no caminho do próprio Jesus, começando pela profetiza Ana (cf. Lucas 2, 36, 38) até chegar à samaritana (cf. João 4, 1-39), a mulher siro-fenícia (cf. Marcos 7, 24-30), a hemorroísa (cf. Mateus 9, 20-22) e a pecadora perdoada (cf. Lucas 7, 36-50). Tampouco mencionarei as protagonistas de algumas de suas eficazes parábolas, por exemplo, a mulher que faz o pão (Mateus 13, 33), a mulher que perde a dracma (Lucas 15, 8-10), a viúva inoportuna ante o juiz (Lucas 18, 1-8).

Para nosso argumento, são mais significativas as mulheres que desempenharam um papel activo no âmbito da missão de Jesus. Em primeiro lugar, o pensamento se dirige naturalmente à Virgem Maria, que com sua fé e sua obra materna colaborou de maneira única em nossa Redenção, até o ponto de que Isabel pôde chamá-la de «bendita entre as mulheres» (Lucas 1, 42), acrescentando: «feliz aquela que creu» (Lucas 1, 45). Convertida em discípula do Filho, Maria manifestou em Caná a confiança total n’Ele (cf. João 2, 5) e o seguiu até os pés da Cruz, onde recebeu d’Ele uma missão maternal para todos seus discípulos de todos os tempos, representados por João (cf. João 19, 25-27).

Há também várias mulheres, que de diferentes maneiras gravitaram em torno da figura de Jesus com funções de responsabilidade. São exemplos eloquentes as mulheres que seguiam Jesus para servi-lo com seus bens. Lucas oferece-nos alguns nomes: Maria de Magdala, Joana, Susana, e «muitas outras» (cf. Lucas 8, 2-3).

Depois, os Evangelhos dizem-nos que as mulheres, ao contrário dos Doze, não abandonaram Jesus na hora da Paixão (cf. Mateus 27, 56. 61; Marcos 15, 40). Entre elas, destaca-se em particular a Madalena, que não só esteve presente na Paixão, mas se converteu também na primeira testemunha e anunciadora do Ressuscitado (cf. João 20.1 11-18). Precisamente a Maria de Magdala, que São Tomás dedica o singular qualificativo de «apóstola dos apóstolos» («apostolorum apostola»), dedicando-lhe um belo comentário: «Assim como uma mulher havia anunciado ao primeiro homem palavras de morte, assim também uma mulher foi a primeira a anunciar aos apóstolos palavras de vida».

Também no âmbito da Igreja primitiva, a presença feminina não é secundária, muito pelo contrário. É o caso das quatro filhas do «diácono» Felipe, cujo nome não é mencionado, residentes em Cesaréia, dotadas, todas elas, como diz São Lucas, do «dom da profecia», ou seja, da faculdade de falar publicamente sob a acção do Espírito Santo (cf. Atos 21, 9). A brevidade da notícia não permite tirar deduções mais precisas.

Devemos a São Paulo uma documentação mais ampla sobre a dignidade e o papel eclesial da mulher. Começa pelo princípio fundamental, segundo o qual, para os batizados, «já não há judeu nem grego; nem escravo nem livre; nem homem nem mulher», «já que todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gálatas 3, 28), ou seja, unidos todos na mesma dignidade de fundo, ainda que cada um com funções específicas (cf. I Coríntios 12, 27-30). O apóstolo admite como algo normal que na comunidade cristã a mulher possa «profetizar» (1 Coríntios 11, 5), ou seja, pronunciar-se abertamente sob a influência do Espírito Santo, sob a condição de que seja para a edificação da comunidade e de uma maneira digna. Portanto, é preciso realizar a famosa exortação: «as mulheres estejam caladas nas assembléias» (1 Coríntios 14, 34). O problema, sumamente discutido, sobre a relação entre a primeira fase - as mulheres podem profetizar na assembléia - , e a outra - não podem falar -, ou seja, a relação entre estas duas indicações que aparentemente são contraditórias, nós deixaremos para os exegetas. Não é algo que seja necessário discutir aqui.

Na quarta-feira passada, já nos havíamos encontrado com Prisca ou Priscila, esposa de Áquila, que em dois casos é mencionada surpreendentemente antes do marido (cf. Atos 18, 18; Romanos 16, 3): ambos são qualificados explicitamente por Paulo como seus «sun-ergoús», «colaboradores» (Romanos 16, 3). Há outras observações que não deve se discutir. É necessário constatar, por exemplo, que a breve Carta a Filêmon é dirigida por Paulo também a uma mulher de nome «Ápia» (cf. Filêmon 2). Traduções latinas e sírias do texto grego acrescentam ao nome «Ápia» o qualificativo de «Sóror crissima» (ibidem), e deve-se dizer que na comunidade devia ocupar um papel de importância; em todo caso, é a única mulher mencionada por Paulo entre os destinatários de uma carta sua. Em outras passagens, o apóstolo menciona a uma certa «Febe», à que chama «diákonos» da Igreja Cêncris, a pequena cidade porto ao leste de Corinto (cf. Romanos 16, 1-2). Ainda que o título, naquele tempo, ainda não tinha um valor ministerial específico de caráter hierárquico, expressa um autêntico exercício de responsabilidade por parte desta mulher a favor dessa comunidade cristã. Paulo pede que seja recebida cordialmente e assistida «em qualquer coisa que precise de vós», e depois acrescenta: «pois ela foi protetora de muitos, inclusive de mim mesmo».

No mesmo contexto epistolar, o apóstolo, de forma delicada, recorda outros nomes de mulheres: uma certa Maria, e depois Trifena, Trifosa, e Pérside, «amada», assim como a Júlia, das quais escreve abertamente que «se fatigaram por vós» ou «se fatigaram no Senhor» (Romanos 16, 6. 12a. 12b. 15), sublinhando deste modo seu intenso compromisso eclesial. Na Igreja de Filipos se distinguiam, também, duas mulheres de nome Evódia e Síntique (Filipenses 4, 2): o chamado que Paulo faz à concórdia mútua dá a entender que as duas mulheres desempenhavam uma função importante dentro dessa comunidade.

Em síntese, a história do cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente se não se tivesse dado a contribuição generosa de muitas mulheres. Por este motivo, como escreveu meu venerado e querido predecessor João Paulo II, na carta apostólica «Mulieris dignitatem», «a Igreja dá graças por todas as mulheres e por cada uma. A Igreja expressa seu agradecimento por todas as manifestações do ‘génio’ feminino aparecidas ao longo da história, no meio dos povos e das nações; dá graças por todos os carismas que o Espírito Santo outorga às mulheres na história do Povo de Deus, por todas as vitórias que deve à sua fé, esperança e caridade; manifesta sua gratidão por todos os frutos da santidade feminina» (n. 31).

Como se vê, o elogio se refere às mulheres no transcurso da história da Igreja e é expresso em nome de toda a comunidade eclesial. Nós também nos unimos a este apreço, dando graças ao Senhor porque Ele conduz a sua Igreja, de geração em geração, servindo-se indistintamente de homens e mulheres, que sabem tornar sua fé e seu batismo fecundos para o bem de todo o Corpo eclesial, para maior glória de Deus.


Semper Fidelis

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