Amigos,
Como saberão, está em curso em Itália o processo para matar Eluana Englaro. Faço-vos um pequeno resumo da situação e um juízo sobre o caso, que nasce do estudo que fiz para a cadeira de Direito Constitucional Europeu, mas sobretudo decorre da constatação de um facto: a vida, a minha e a tua, é um dom misterioso, que não pedimos mas que nos foi dado, e que a seu tempo assume formas e circunstâncias que não prevemos (e isto vale para todos).
A Eluana sofreu um desastre em 1992 e desde essa data que se encontra naquilo a que habitualmente se chama Estado Vegetativo Permanente (EVP). Este conceito, tal como outros, não passa de isso mesmo: de um conceito. É uma construção teórica para definir o estado físico e psicológico de pessoas que se encontram aparentemente afastadas da relação com o mundo exterior, devido a graves lesões cerebrais.
Na prática, Eluana não está ligada a nenhuma máquina para respirar; devido à sua condição precisa unicamente que lhe dêem comida e bebida porque ela sozinha não consegue alimentar-se e hidratar-se. Necessita naturalmente de todos os cuidados de higiene, mas sobretudo, do amor que durante 15 anos lhe foi gratuitamente oferecido pelas freiras da casa de repouso em Lecco (perto de Milão).
Um dia normal na vida de Eluana é igual ao de muita gente: acorda de manhã, passeia, come, bebe, dorme à noite. É mesmo assim. Não está submetida a nenhuma terapia.
Em causa estão portanto dois problemas: o primeiro técnico, o segundo humano.
A nível técnico – que não vos maço muito, prometo! – há que não confundir o conceito de obstinação terapêutica (não tenho a certeza que o nome técnico em português seja este) com o conceito de alimentação e hidratação. São diferentes os casos em que uma pessoa está submetida a duros tratamentos e terapias invasivas que, além de não melhorarem a condição clínica dos pacientes, os colocam ainda numa situação de sofrimento físico. Isto é obstinação terapêutica. E é proibida em muitos países – justamente, a meu ver – e sancionada igualmente pela legislação internacional (vide Carta Europeia dos Direitos Humanos). Não é este o caso de Eluana.
Os juízes italianos assumiram que alimentar e hidratar Eluana equivalia a este conceito. Erraram. Mas mais ainda, colocaram a problemática ao nível do testamento biológico (uma pessoa manifesta a sua vontade em caso de se encontrar numa situação clínica crónica ou terminal), baseando-se em presumíveis testemunhos de familiares e amigos; estes contaram que Eluana era uma pessoa “alegre e viva” (cito uma das sentenças), e que por mais de uma vez terá dito “eu nesse caso preferiria morrer”, estando de boa saúde.
Neste momento Eluana está numa clínica diferente, longe das freiras que muito a amaram durante todos estes anos, e hoje começaram a diminuir a alimentação e a hidratação. Está previsto que nos próximos dias comece a sua agonia que a conduzirá até à morte. Uma morte dura e feia. Vai morrer à fome e à sede.
Faço três considerações finais:
Estamos perante um caso de legitimação legal da morte de uma pessoa inválida. Uma prática legal não é necessariamente uma prática justa.
Matar alguém à fome, ainda que com a autorização de juízes e intelectuais lembra-me inevitavelmente o massacre dos judeus: era tudo legal, estava tudo dentro dos parâmetros.
Se algum dia a minha vida mudar radicalmente e eu ficar num estado em que não seja capaz de vos expressar a minha “vontade”, usem os arquivos deste blog para gritar ao mundo que a minha é vida é minha, e só quero que ma tire quem ma deu. A vida é um mistério, um mistério que precisa de ser vivido para se desvelar um passo, e outro, e outro.
Uma coisa está diante dos nossos olhos, uma única evidência: há um aspecto último da vida que não podemos escamotear, que não podemos reduzir a análises lógicas. Há um aspecto último da vida que é Mistério.
Aquele que me deu a vida, Aquele que me quer aqui e agora, fez-Se carne há 2009 anos, e continua a acompanhar-nos. Durante 15 anos, Cristo esteve presente na vida de Eluana através do amor das freiras que a acudiram; hoje tenho a certeza que Cristo está naquele quarto a sustentar a agonia de Eluana porque Ele não foi poupado à Cruz.
Peço ainda o milagre, mas estou certa que o Pai a acolherá num quarto bem mais luminoso e confortável.
Ps: O don Pino pediu-nos que rezássemos todos os Angelus nas comunidades pela Eluana, porque “a oração é a nossa comunhão com a alma de Eluana".
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