Em Portugal o poder político em geral, e a esquerda em
particular, desconfiam imensamente das pessoas. Para a maior parte dos nossos
governantes em caso dúvida o Estado governa melhor a vida de cada cidadão do
que eles próprios.
1. Caso exemplar disso é a
reacção ao anúncio do Ministro da Educação de que o ministério passaria a
apoiar directamente os alunos (mesmo que os seus pais escolhessem coloca-los no
ensino particular) em vez de apoiar as escolas. Parece-me evidente que esta medida
é totalmente razoável. O Estado apoia os pais na sua tarefa de educar os
filhos, mas dá-lhes a liberdade de escolher.
Mas logo se ouviram um coro de objecções: o fim da escola
pública; os privados não são melhores que o público; isto vai favorecer os mais
ricos.
Todas estas objecções têm algum fundo de verdade, mas passam
ao lado do ponto principal da questão: que não cabe ao Estado educar as
crianças, mas aos pais. Os pais não são irresponsáveis, vão tentar que os
filhos tenham a melhor escola possível. Logo uma medida que lhe dá mais opções
é uma boa medida.
Mas no campo da educação esta questão é apenas a ponta do
iceberg do estatismo português. Basta pensar por exemplo que é o ministério que
contrata as empresas de catering de todas as escolas. Ainda este Verão ouvi a
história de uma escola no Alto Alentejo onde a empresa que fornecia comida
servia arroz trinca às crianças e a direcção não podia fazer nada a não ser
esperar pela decisão do ministério.
Outro exemplo é a eleição da direcção das escolas onde os
pais tem muito pouco a dizer. Ou a absurda colocação de professores por
concurso nacional.
Toda a educação das nossas crianças é decidida entre a 5 de
Outubro e a 24 de Julho e os pais não são tidos nem achados nesta conversa.
2. Mas a desconfiança do poder em
relação às pessoas não se limita à educação. Todo o nosso sistema político está
montado na base de que não se pode confiar nas decisões do povo. A começar pela
Constituição que consagra os círculos plurinominais e o método de Hondt. Assim
garante que as pessoas só podem eleger para o Parlamento quem os partidos
decidirem.
Outro exemplo claríssimo é a Lei da Limitação dos Mandatos,
que tanta polémica tem levantado. Como é possível que em democracia se
restrinja os direitos políticos de um cidadão pelos simples facto de já ter
exercido um cargo? Para isso serve o voto, não a lei.
E esta desconfiança não é só nestas coisas grandes e
importantes, mas chega aos pormenores mais absurdos. Veja-se por exemplo a
obrigação de um adulto usar cinto de segurança. O único afectado pelo não uso
do cinto é o próprio. Porque razão tem o Estado que decidir se eu prefiro
viajar de maneira mais ou menos segura?
3.
Mesmo passado quase quarenta anos de democracia ainda não conseguimos
ultrapassar a mentalidade que os dezasseis anos de Iª República (que
considerava o povo demasiado inculto para decidir) e quarenta e oito anos de
Estado Novo (que achava o povo demasiado inocente para enfrentar os perigos do
mundo moderno) inculcaram na mentalidade portuguesa.
Vivemos reféns deste complexo de que Estado (essa
entidade abstracta) é um pai que vela por nós. E pelos visto preferimos
continuar a viver esta adolescência tardia. Sem deveres, sem responsabilidade,
mas também sem direito a decidirmos da nossa vida.
3 comentários:
Não podemos porém esquecer-nos que o Direito (que enfim, na malograda lógica positivista atual se reduz a leis) tem também o dever de proteger os cidadãos deles próprios o que é fundamental. Daí é que se retira não só a proibição do suicídio como a de andar sem cinto.
E só mais uma coisa, naturalmente que grande parte do povo é inculta e que se deve limitar de certa forma o poder de participação do mesmo no poder e daí decorre a democracia representativa.
Deus nos livre dum Estadão mas também dum Estadinho tímido e facilmente influenciavel!
Já agora sou eu, Tomás Anunciação mas nao tenho gmail!
Tomás,
1) Como tu sabes são muito poucos os limites que o Direito coloca (ou deve colocar) aos Direitos Pessoais. O suicídio, ampuntamento sem razão médica, cedência total dos direitos de imagem, etc.
Estes limites existem por se considerar que o direito que eles protegem é um direito que é superior à própria autonomia.
Existem áreas cinzentas (se uma pessoa pode abdicar de tratamento médico que lhe salve a vida, se o Estado pode alimentar alguém à força para esta não morrer).
O não usar o cinto de segurança não é igual a um suicídio. É um risco, que um adulto pode decidir ou não tomar.
2. A Democracia Representativa não é uma forma de limitar a soberania popular. É a forma possível de se aproximar da vontade desta. Os seus limites não são a incultura de um povo, mas o Direito.
Isso vê-se no facto de qualquer um poder ser deputado.
A Democracia não é um sistema perfeito, mas todos os outros serão sempre uma violação da liberdade de parte da população.
Eu não acho que o aborto não seja referendável por causa da cultura do povo, mas porque o Direito à Vida não é um direito do qual o Estado possa dispor.
Enviar um comentário